Morar fora do Brasil: como é morar em Dublin, na Irlanda?

Não é segredo para ninguém que nós do Voyajando Blog adoramos contar histórias. Tanto as nossas quanto as dos outros. Foi assim na série de intercâmbios que tivemos por aqui. E foi assim quando compartilhamos sagas de pessoas em busca dos reconhecimentos de suas cidadanias italianas. Dessa vez o tema é Morar fora do Brasil @jenifercarpani já fez a grande estreia nesse texto aqui – e confesso que fiquei bastante resistente em sentar para contar a minha jornada até aqui. Afinal, como é morar em Dublin, na Irlanda. Mas, eis que o grande dia chegou. Se você tem curiosidade em saber como tem sido viver há mais de um ano aqui na Ilha Esmeralda, vem comigo. É o momento.

Mas, antes de irmos para os “finalmentes” – como diria a minha mãe – vamos começar dizendo que você não vai encontrar por aqui nada relacionado a passo a passo, guia, manual, burocracia, documentos… Embora tudo isso faça parte do processo que é mudar de país e a gente acabe citando. Queremos que você veja essa série como uma daquelas cenas pós-crédito. Somos nós olhando para trás e contando para você quais foram os pontos altos e quais foram os baixos de toda essa trajetória. A ideia não é colocar empecilhos e muito menos romantizar a visão que se tem de morar fora. É simplesmente mostrar para você a vida fora das redes sociais. Já dizia o – muito moderno – ditado: quem vê feed, não vê corre.

Dito tudo isso, seja muito bem-vindo! É Irlanda, então já pegue sua pint de Guinness e vem comigo relembrar os últimos meses por aqui.

O sonho de morar fora

Morar na Europa tornou-se uma possibilidade graças ao reconhecimento da cidadania italiana – e toda a saga você encontra aqui no blog e foi contada pela @jenifercarpani, minha irmã e parceira nessa jornada que teve um final feliz. Embora a Irlanda não faça parte do Espaço Schengen, uma convenção entre alguns países europeus de abertura de fronteiras e livre-circulação de pessoas, ela faz parte da União Europeia e isso quer dizer que qualquer cidadão europeu pode entrar no país sem a necessidade de um visto especial.

Mas por que, Jeanine, por que sair do Brasil e ir morar na Europa? Porque eu percebi que a minha vida era mais uma existência. Eu só trabalhava. Todos os dias da semana, incluindo os meus finais de semana, eu tinha a cabeça no trabalho. Como trabalhava com comunicação e cuidava de algumas redes sociais na época, eu não saía do celular. Eu estava constantemente respondendo clientes. Eu não “desligava”. E, até o meu intercâmbio em 2018, isso era uma coisa que eu considerava normal. Afinal, era o meu trabalho.

Mas, cara, quando sua vida se torna planejar suas próximas viagens ou passeios nos finais de semana, na minha concepção, tem algo de errado. A vida é todo dia, né? E eu não tinha percebido até então o quanto eu estava exausta. E isso é cultural, né? A gente aprende desde pequenininhas que nós somos o nosso trabalho. Somos o que fazemos. E não é só isso, era muito chato (para não dizer revoltante) trabalhar, trabalhar e trabalhar – e trabalhar mais um pouquinho – e mesmo assim não poder conquistar, adquirir bens materiais e imateriais, com facilidade. A gente sempre tem que estar economizando, planejando, pesquisando. Não que eu não faça isso aqui, mas eu simplesmente sinto que aqui meu poder de compra é maior e, por consequência meu suado dinheirinho vale mais no fim do mês. E tenho que dizer que a Irlanda não é um país ‘barato para se viver’, muito menos Dublin, cidade que já está entre as mais caras da Europa – atrás apenas da Dinamarca. Da União Europeia já somos o primeiro. E essa é uma medalha que ninguém quer.

Por que a Irlanda?

Porque como já mencionei lá em cima – e nesse texto aqui – eu fiz um intercâmbio em Dublin, na Irlanda, em 2018. E o motivo para escolher o país ficou lá no outro texto. Foi aliás durante meus oito meses nessa experiência que eu descobri que eu tinha a possibilidade de reconhecer a cidadania italiana… Mas, voltando. Já ter tido esse contato com a cultura irlandesa e vivido por aqui durante esse período de tempo fez com que a nossa transição para cá fosse muito mais suave. A gente já tinha os documentos necessários para começar a trabalhar, sabíamos como procurar casa, como encontrar um emprego… Até ainda tínhamos conhecidos ainda por aqui. Tudo isso com o bônus da língua, já que é o inglês, fez com que nós nem pestanejássemos para voltar para cá.

Mentira, a gente pestanejou sim. O reconhecimento da cidadania italiana foi em 2020 e, caso nossos documentos tivessem saído antes de 31 de dezembro, a gente provavelmente teria ido para o Reino Unido. Caso você não se lembre, foi esse o último ano do Brexit. Eu e o Gian estávamos entre Manchester, na Inglaterra, e Edimburgo, na Escócia. Mas, não deu não. E cá estamos. E, sinceramente? Está tudo bem.

Como é morar em Dublin?

É a capital do país. Ela é com certeza muito mais cheia e muito mais cara quando relacionada com as outras cidades por aqui, mas eu goste da minha Dublinzinha. Eu gosto dessa “cidade grande” com ares de interior. Digo isso porque Dublin não possa ser considerada, no meu ponto de vista, como uma cidade grande. Um lugar onde existem linhas de ônibus que começam a rodar só depois das 9h da manhã em um domingo não faz jus a categoria de acordo com a minha concepção paulistana. Mas é a maior que tem por aqui. E pouco a pouco a gente vê a cidade se modernizando. O sistema de transporte público, por exemplo, que eu reclamo todos os dias, já passou por diferentes e grandes mudanças em menos de dois anos: linhas circulares começaram a rodar no centro da cidade e as tarifas diminuiram para compensar o aumento da energia elétrica e de gás (consequências da guerra na Ucrânia). E isso so me faz admirar mais a cidade e o país.

Também optamos voltar para Dublin porque já conhecíamos a cidade por conta do intercâmbio. Então já conhecíamos as ruas, os bairros, os mercados… Foi mais tranquilo de voltarmos à vida pós-cidadania italiana e pós-pandemia.

Mas devo dizer que ainda estamos aprendendo. Sempre. Todos os dias.

O emprego

Eu não posso fizer que achei complicado achar emprego em Dublin. Mas também não posso usar a palavra fácil. Tudo vai depender do que você está buscando. Há com certeza alguns facilitadores na hora de buscar trabalho, como por exemplo, o quanto você domina o inglês. Em uma cidade globalizada como Dublin, cheia de imigrantes, dominar a língua local é com certeza um diferencial. Depois, o tipo de visto que você tem. A Irlanda tem muitos tipos de visas (nome inglês) de diferentes categorias e tipos. O Gian, por exemplo, tem o chamado Stamp 4 EU Partner, ou seja, e o visto que eles dão para estrangeiros que tem o direito de residir aqui porque são casados com um europeu. Existe também o Stamp 2, que é o visto de estudante, era esse que eu tinha em 2018 quando vim para cá estudar inglês. Com ele você tem direito a trabalhar o chamado part-time, ou seja, 20 horas por semana.

E como Dublin é uma cidade bastante turística, tem muitos empregos tanto part-time quanto full-time. Ouso dizer que os setores de serviços e hospitalidade saem em disparada nas contratações mas, ultimamente, a Irlanda tem se destacado como um polo importante de tecnologia. Com isso, muitas empresas na área tech estão por aqui, como Facebook, Google, LinkedIn, TikTok… E assim por diante. Então, se voce é desse segmento, devo dizer que até permissão de trabalho você consegue! Dá uma olhadinha das vagas no LinkedIn, por exemplo, que tem uma entrada forte por aqui, assim como indicações. Se visto de trabalho é a sua alternativa, você pode dar uma olhada também na lista de Critical Skills do governo irlandês e ver se a sua profissão não se encaixa por lá.

Minha experiência

Quando eu vim como estudante, trabalhei durante quase seis meses de camareira. Eu escrevi sobre a experiência nesse post aqui, se estiver interessado. Dessa vez, em posse de uma cidadania europeia, comecei aplicando para empregos mais administrativos, mas não fui tão bem nas entrevistas de emprego quanto eu gostaria. Por conta da pandemia, a maioria delas estava acontecendo por telefone e eu estava bem enferrujada no meu inglês. Mesmo assim, depois de 20 dias de Irlanda, acabei podendo ter que optar entre três opções: uma distribuidora de alimentos, um mercado e um fast-food. Escolhi o último que me daria todas as horas que eu precisava e era perto de casa. E, vi nele um bom jeito de alavancar o meu english.

E, olha, foi uma experiência interessante. Para dizer o mínimo. Eu nunca tinha me imaginado trabalhando do outro lado do balcão do McDonald’s e posso dizer que foi bem curioso entender os processos, fazer os lanches nos quais eu cresci comendo e, bom, lidar com clientes. E, olha, se tem uma coisa que eu sempre falei muito na minha vida é que ‘as pessoas são loucas’. Depois de quase 1 ano trabalhando ali eu hoje tenho quase que tatuado esse mantra. Todos os dias, vê-se de tudo. Acabei optando por sair de lá quando o cansaço bateu. O problema não era só fazer todos os dias a mesma coisa, mas também os horários super flexíveis me incomodavam. Eu não podia planejar nada porque cada dia era um turno diferente. Fora os finais de semana, que eu também trabalhava.

De lá eu fui trabalhar em um catering, mais especificamente dentro de um restaurante localizado, por sua vez, dentro de um prédio comercial. Não era mais público-geral, a gente atendia apenas funcionários. Fiquei por volta de 1 mês nesse trabalho – e foram os 30 dias em que mais passei bem na hora do almoço na minha vida – pois acabei sendo chamada para o meu atual trabalho nesse meio tempo. Hoje eu estou tabalhando em uma companhia global que aluga espaços para outras companhias – escritórios, mesas, salas de reunião – e tenho um trabalho mais administrativo e de atendimento ao cliente. O mais importante para mim? De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.

A casa

Se você já teve alguma experiência com a Irlanda, se já andou pesquisando intercâmbio ou a vida aqui na Ilha Esmeralda, ou se já foi curiar grupos de brasileiros já deve ter lido algumas coisas a respeito de moradia: e, acredite, realmente é o maior desafio de quem escolhe vir morar por aqui. Os aluguéis são sim muito mais altos do que o praticado no restante da Europa e, mesmo assim, as pessoas estão dispostas (precisam, né?) a pagarem aquilo que os landlords e landladies estão cobrando. Ai vira simples Economia: oferta e demanda.

Para você ter uma ideia de valores: durante o intercâmbio, eu e o Gian viemos para uma Dublin fervorosa, vibrante. Naquela época já não foi fácil encontrar um lugar para morarmos, e conseguimos um quarto de casal em Blanchardstown, um bairro periférico localizado a cerca de 30-40 minutos do centro da cidade de ônibus. Pagávamos 900 euros o aluguel com todas as contas inclusas e dividíamos a casa com mais dois quartos, ou seja, eram três no total. Agora, com a cidadania, voltamos para a Irlanda em meio à pandemia. Os preços estavam congelados e, logo, encontramos um quarto por 870 euros em Cabra, bem mais perto do centro da cidade, e dividíamos o flat com mais um casal de brasileiros (alô Vivi e André!). Somando a isso ainda tínhamos as contas de eletricidade e internet por fora, já que o apartamente não tinha gás.

Agora, eu e Gian estamos vivendo em um apartamento também em Cabra, mas com apenas um quarto. Moramos sozinhos e estamos pagando cerca de 1.700 euros o aluguel e nossas contas, que também são eletricidade e internet. É barato, não é. Mas amamos o nosso cantinho. É o lar doce lar, né não?

O clima

Acho que qualquer brasileiro que você encontrar aqui na Irlanda, a primeira reclamação vai ser sobre o clima. Eu me incluo nessa estatística, “Ô dia feio” está entre as minhas frases mais faladas. Reclamar da chuva, do vento e do tempo cinza é praxe. Mas, devo dizer, reclamar do calor também acontece. Este último é mais raro, obviamente, já que a maiora dos nossos dias são cinzas. E exatamente por causa disso que, quando faz sol, a gente não está preparado. O país não está preparado. Não tem ar condicionado nos escritórios, comércios e nos ônibus. Nos ônibus, você entendeu? Hahahahaha

Enfim, esses choques culturais são esquisitos. Principalmente porque as pessoas não entendem quando brasileiros reclamam do calor. “Ah, mas o Brasil é quente!”. É, é mesmo. Mas, a gente tem infraestrutura e estamos, querendo ou não, preparados para calor. Nem que seja com a ajuda de um ventilador.

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Choques culturais

Por falar em choques culturais, eles acontecem todos os dias. E ouso dizer que continuarão a acontecer. E ultimamente as diferenças tem ido além de coisas que encontro no mercado porque já passamos pelo tempo de adaptação, né? Depois de um ano, você já se acostumou com as grandes diferenças. Já não acho esquisito o volante do lado direito do carro e nem de olhar para direita primeiro antes de atravessar uma via de mão dupla. Já me acostumei a encontrar o leite nas geladeiras dos mercados, ou o feijão enlatado, ou carne nas bandeijinhas. A questão agora tem sido: como marcar um médico, como tirar a minha habilitação, que documentos eu preciso para aplicar para um financiamento, quais os esquemas que eu tenho direito sendo uma trabalhadora que deixa 20% do seu salário para as taxas. Viu, o buraco vai ficando mais embaixo.

E não é que eu seja perita em todos esses assuntos no Brasil. Não sou. Mas quando a gente cresce dentro de uma sociedade, a gente aprende por observação, escutando as outras pessoas, reproduzindo comportamentos, vendo, escutando. Ser jogada dentro de um local com regras diferentes das que você cresceu é esquisito porque vem com o olhar de quem julga. Eu, por exemplo, achei horroroso ter a minha receita médica enviada direto para a farmácia mais perto da minha casa. Cadê meu direito de pesquisar preço e ir comprar meu remédio em outro lugar? Ou que quando você vai tirar a sua habilitação você precisa passar um ano só podendo dirigir com outra pessoa habilitada dentro do seu carro. E ainda tem que fazer mais uma prova depois. É um processo que demora lá seus dois anos até você estar totalmente habilitado a dirigir por aqui. Esquisito, né? Eu sei.

É nesse momento que eu sinto que eu devo fechar este post. Mas não espere de mim uma conclusão ou palavras de ensinamento. Eu ainda estou aprendendo a viver aqui em Dublin, aqui na Irlanda. O que eu posso dizer é que “morar fora” e “intercâmbio” me parecem hoje coisas completamentes diferentes. Se você conversasse comigo há alguns anos eu falaria que é a mesma coisa, mas não é. Intercâmbio tem prazo de validade, tem data limite. Você vai, mas volta. É com certeza uma experiência e tanto e a gente sai dela diferente. Mas é isso. Morar fora tem tudo que “morar” traz de implícito. A gente renuncia a vida que ficou sabendo que quando voltarmos, nem que seja para visitar, vai estar tudo diferente. A gente vive naquele medo constante de estar a horas e horas e horas das pessoas que a gente ama. A vida segue. A nossa e a de quem ficou. E por aí vai.

Viver fora é uma aventura. É clichê, mas é verdade. Todo dia tem uma novidade. Todo dia tem aprendizado. Cabe a você decidir o que fazer e se está disposto a se jogar nessa jornada que pode ser bastante solitária. Mesmo quando você embarca nela a dois, como eu e o Gian. É um processo, mas vamos vivendo-o. Um dia de cada vez.

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