Como é morar na Coreia do Sul? Brasileira fala sobre os choques culturais

A gente, de tempos em tempos, busca trazer aqui para o blog algumas entrevistas e depoimentos que nos fazem ver o mundo através do olhar de outras pessoas, por meio de suas vivências, experiências, sugestões e opiniões, conseguimos construir mais um pedacinho da nossa colcha de retalhos gigantesca, que é a nossa visão de mundo e sobre esse nosso planeta.

A filosofia toda aqui é para dizer que esse olhar do outro sobre as outras coisas se torna mais importante quando falamos sobre morar fora, e ainda mais importante quando pensamos em culturas muito diferentes das nossas. É sobre isso a nossa matéria de hoje e vamos ver como é morar na Coreia do Sul, a partir da vivência de uma das minhas melhores amigas, Karina Oliveira.

A Karina uma vez me falou que gosta muito que no Voyajando a gente de alguma maneira consegue levar conteúdo de viagem em português-BR para os brasileiros espalhados por aí, fazendo com que a informação chegue mais fácil para quem não tem conhecimentos linguísticos ou não teve a oportunidade ainda de tê-los. Me lembro que isso para mim foi bem impactante e bacana de ouvir, porque é sobre isso esse espaço aqui, e ouvindo dela – professora de língua portuguesa, poliglota e, claro, viajante – foi ainda mais especial. Obrigada, Ká, por isso!

Já dei vários spoilers aqui em cima sobre a experiência da Karina de ir morar fora. Ela, professora de português que é, foi convidada a lecionar para estudantes de português na Coreia há alguns anos. O resto vou deixar aqui embaixo, por conta dela. Espero que você goste e se inspire, como eu sempre me inspiro ao ouvir os seus relatos.


Meu nome é Karina, tenho 31 anos e trabalho como professora de português em uma universidade em Busan, na Coreia do Sul, desde setembro de 2019. Estudei Letras (Português/Linguística) na Universidade de São Paulo (USP), e também fiz mestrado e doutorado em Linguística na mesma universidade.

Minha vinda para a Coreia não foi muito premeditada, o que aconteceu foi que eu recebi uma mensagem do outro professor de português aqui da universidade, que eu conhecia por causa do esperanto (língua planejada, que eu e ele falamos), mas a gente se conhecia só pela internet mesmo, pelas redes sociais. Nessa mensagem, no começo de 2019, ele me informou que a universidade estava com uma vaga aberta, visto que a outra professora que trabalhava aqui tinha voltado para o Brasil.

Em abril daquele ano mandei meus documentos para me candidatar ao emprego, em maio recebi a resposta de que tinha sido selecionada para a vaga e no fim de agosto já estava na Coreia do Sul, para começar a dar aulas nos primeiros dias de setembro. Então, aconteceu tudo de maneira meio rápida, eu simplesmente agarrei a oportunidade e vim, rs.

Nesses poucos meses entre eu receber a notícia de que seria contratada e a mudança efetiva, eu comecei a me informar mais sobre o país, porque realmente não conhecia quase nada. Sempre tive uma ligação muito mais forte com o Japão, porque cresci na região de Mogi das Cruzes (SP), onde a comunidade japonesa é grande, então estava acostumada com elementos da cultura japonesa, e por ter praticado Karatê Shotokan durante muito tempo na minha infância e adolescência eu conhecia algumas palavras do japonês usadas na prática dessa arte marcial no Brasil. Mas da Coreia, nada, a não ser pelo pouco que eu sabia do sucesso do K-pop pelo mundo.

A Coreia do Sul

Quando cheguei na Coreia, tudo era completamente novo para mim e eu realmente passei por um processo de estranhamento no começo. Vejo que os brasileiros que vem pra cá e já estudaram coreano antes ou que gostam de K-pop ou K-drama já conhecem mais da cultura, mas para mim realmente a adaptação se deu depois de eu chegar por aqui. Primeiro morei durante um ano em Busan, perto da universidade onde trabalho, mas depois de um ano me mudei para Yangsan, uma cidade vizinha, menor e mais tranquila, porque eu gosto mais do jeito que a cidade é aqui.

A Coreia é repleta de montanhas e as partes urbanas são construídas basicamente nos vales, pelo menos nessa parte do país onde eu moro. É claro que tem também muitas construções nos morros das montanhas, mas elas são tão altas que não tem construções até os pontos mais altos. Pois bem, a universidade onde eu trabalho fica no “meio” de uma montanha, e o bairro ao redor dela é cheio de morros. Acho que a experiência mais parecida que tive no Brasil foi em Ouro Preto, cidade na qual a gente tem que ter muito fôlego para subir e descer as ladeiras para visitar os lugares!

Depois de um ano morando perto da universidade, decidi me mudar para Yangsan porque já conhecia aqui e sabia que tinha uma região aqui da cidade construída em um vale muito extenso, ou seja, agora eu moro em um lugar onde posso andar por horas sem precisar subir morro nenhum. Além disso, as ruas aqui em Yangsan são bem mais largas, o que me dá uma sensação até de conseguir respirar melhor, porque eu acho tudo meio apertado nas grandes cidades por aqui. Ah, é bom deixar claro que eu não curto muito grandes metrópoles, mas para quem gosta Busan (e principalmente Seul) são o paraíso, haha.

Como é morar na Coreia do Sul?

Morar na Coreia do Sul: a cultura coreana

Quando comecei a dar aulas aqui, senti um choque cultural muito grande em relação à atitude dos alunos. Eu estava acostumada a dar aula de línguas para brasileiros e também para estrangeiros da Europa ou dos Estados Unidos, até então tinha tido só um aluno coreano no Brasil. O clima na sala de aula é bem diferente, eles interagem muito pouco de maneira voluntária, digamos assim, bem diferente do que eu estava acostumada com os alunos de antes.

Então, logo tive que entender que teria que chamar os alunos por nome para fazer eles falarem, criar estratégias específicas para fazer eles trabalharem em grupo para praticar a conversação, etc. Agora já estou adaptada e sei o que dá certo ou não, mas para mim foi muito curioso sentir, na pele, como a cultura escolar deles é diferente do que eu já conhecia até então.

Eu aprendi muito aqui na Coreia, principalmente sobre como a vida cotidiana pode ser diferente em uma outra cultura social. Acho que todo mundo que vai morar em outro país acaba passando por esse processo, de entender que pode haver diferenças nos mínimos detalhes, desde como os produtos são organizados no supermercado, passando por como você deve se comportar em ambientes públicos até como a sociedade em questão organiza a vida de forma geral: como são os prédios, como estão distribuídos pelos bairros, como eles lidam com burocracias, o que é considerado normal ou não, como são os relacionamentos dentro das famílias e fora delas, que tipos de comidas são mais comuns, que tipo de roupas as pessoas usam, que tipo de estampas essas roupas têm, etc.

Acho que um dos pontos mais interessantes sobre a cultura coreana para mim, pensando nesses quesitos de diferenças sobre como organizar a sociedade, é o jeito que eles calculam a idade deles. Aqui, todo mundo quando nasce já nasce com 1 ano, e em primeiro de janeiro do ano seguinte todos os bebês nascidos naquele ano passam a ter 2 anos. Assim, as pessoas nascidas no mesmo ano, não importa quando durante aquele ano, têm sempre a mesma idade.

Sendo assim, todos estão no mesmo nível hierárquico em relação à idade, algo que para eles aqui é muito importante, já que quem é mais velho (mesmo que seja só um ano de diferença) merece respeito, sempre está com a razão, e tem que ser tratado com os pronomes de tratamento formais da língua coreana, caso as pessoas não sejam amigas próximas.

YouTube video
A Karina nos enviou esse vídeo que explica um pouco mais sobre essa questão da idade na Coreia do Sul

Existem ainda outros dois sistemas para contar a idade de uma pessoa aqui na Coreia do Sul (um deles é o jeito que usamos no Brasil, e que é usado na maioria dos países), e parece que isso causa algumas confusões, principalmente em assuntos burocráticos, porque não é claro qual sistema deve ser usado (por exemplo, para saber a idade das pessoas para tomar vacina).

Esse jeito de calcular a idade influencia bastante nas amizades que eles fazem, porque normalmente eles fazem amizades com as pessoas que nasceram no mesmo ano (principalmente durante os anos na escola, eu acho), mas isso influencia no nível universitário também, no que pude notar nas minhas aulas. Acontece que um aluno mais novo não vai se sentir à vontade para tentar falar português na frente de um aluno mais velho se não for amigo próximo, e isso influencia a dinâmica das aulas, uma vez que nas aulas de conversação de uma língua estrangeiras o único jeito efetivo de praticar a língua é de fato tentando falar…

Uma vez eu tentei colocar uma aluna do terceiro ano num grupo com alunas do quarto ano, porque a aluna do terceiro estava sem grupo ainda, mas logo vi que não funcionou, todas ficaram em silêncio e na hora surgiu o maior climão. Aprendi rapidinho que fazer isso não dava certo.

A adaptação à Coreia do Sul

Acho que o que mais se consolidou para mim nesses anos aqui é o quanto é importante estar aberto para as diferenças quando se muda para um país novo. O meu caso foi extremo, uma vez que vim morar em um país tão longe do Brasil e sobre o qual eu sabia muito pouco, mas mesmo mudanças para países que têm uma cultura próxima a do Brasil requerem mente aberta e curiosa para entender os costumes de outras culturas sem julgamento (aqui a galera anda na areia da praia de tênis, sapato, roupa do dia a dia mesmo, por exemplo, coisa que a gente não vê no Brasil).

Se a gente começa a julgar e comparar com os nossos próprios costumes, a adaptação acaba sendo mais difícil. É claro que os costumes com os quais a gente cresceu sempre vão ser mais confortáveis para a gente, mas eu tive realmente que abrir o coração para entender a sociedade na qual passei a viver a partir de 2019 e conseguir ficar em paz comigo mesma em uma cultura tão diferente.

E é importante também sempre fortalecer as nossas raízes, porque assim a gente não fica perdido. Uma coisa que eu fiz, de acordo com o conselho da minha psicóloga na época, foi trazer comigo objetos que ajudassem a me lembrar do Brasil, coisas que tivessem um impacto emocional para mim. Eu trouxe fotos, cartas (algumas que tenho desde a minha adolescência, inclusive da Jenifer, uma das rainhas deste blog!) certos livros e outros objetos pequenos que me ajudaram muito nas horas de mais isolamento e solidão aqui.

Enquanto imigrante, uma das minhas principais dificuldades logo de cara foi me adaptar à comida, uma vez que sou vegetariana (e vegana, sempre que é possível) e foi difícil no começo encontrar comidas que eu gostasse. Ter pessoas à minha volta que me ajudassem a encontrar o que eu precisava ou que me ajudassem quando eu precisasse resolver alguma burocracia também foi muito importante. Sou muito grata à comunidade (pequena, mas mesmo assim essencial) de amigos que formei por aqui, e acho que isso é importantíssimo numa situação de imigração.


E aí, gostaram do depoimento da Karina? A gente amou. Ficamos surpresas com o quanto conseguimos aprender com cada um dos depoimentos que chegam por meio dessa série de Morar Fora do Brasil. Eu jamais imaginaria essa questão da idade se não fosse a experiência da Ká por lá – e todo o resto que ela nos conta nos bastidores também.

Mais uma vez: obrigada Ká!

E se você mora ou já morou fora do Brasil e gostaria de nos enviar um depoimento sobre para ajudar e inspirar outros brasileiros que sonham em viver essa experiência, escreva para nós no nosso Instagram ou por e-mail no [email protected]! Quem sabe o seu relato é o próximo por aqui?



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